A morte fisica e epistêmica de Mãe Bernadete!

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Um dos grandes desafios da sociedade brasileira é superar as heranças perversas da escravidão africana ao longo dos quase quatro séculos de barbárie e violação dos direitos humanos no Brasil. Este legado também nos deixou o racismo sistêmico que se desdobra em diversas vertentes e, entre elas, há uma deturpada ideia de vivermos em uma sociedade monoteísta! O Racismo religioso e suas formas perversas de opressão aos povos das diásporas africanas, comunidades quilombolas e povos de terreiros custam muito caro para a democracia do nosso país.
É inconcebível em pleno século 21 que uma Yalorixá, liderança quilombola, ex-secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na cidade de Simões Filho, região metropolitana de Salvador, seja executada a tiros dentro do seu local sagrado!
A importância de Maria Bernadete Pacífico, Mãe Bernadete de 72 anos, que se tornou um símbolo da luta em defesa da cultura popular quilombola, gerou uma grande comoção nacional e nos coloca novamente em estado de extrema preocupação.
Mãe Bernadete lutava pelo processo de titulação do quilombo, que em 2017 foi reconhecido pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e certificada pela Fundação Palmares. A voz de Bernadete também se tornou conhecida pela luta por justiça pela morte do filho, Flávio Gabriel dos Santos, o Binho do Quilombo, que foi assassinado em 2017, por homens armados também na área do quilombo. Em julho deste ano, o discurso feito por Mãe Bernadete durante um encontro com a ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, na comunidade Quingoma, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador, reverberou nacionalmente.
O assassinato de Mãe Bernadete nos tira a paz e nos recoloca em uma dimensão extremamente vulnerável. O sentimento de descartabilidade dos corpos pretos, a ideia de que assassinar uma Yalorixá respeitada pela comunidade preta do nosso país faz com que o epistemicídio das nossas heranças religiosas e culturais seja encarada como uma mera fatalidade cotidiana.
É preciso que se faça justiça! Que Tat´teto NZazi/Xangô tome este caso para si para que, além da justiça dos homens, a justiça divina seja feita.
Que os filhos e filhas de santo de Mãe Bernadete e toda comunidade do Quilombo Pitanga dos Palmares recebam as nossas mais profundas e afetuosas condolências e que este não seja mais um caso tratado de forma isolada, pois a perseguição dos povos de terreiro ainda é uma difícil e preocupante realidade na vida cotidiana da população preta deste país!
Axé, Mãe Bernadete!

Tadeu Kaçula – sambista, sociólogo formado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Mestre e Doutorando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP), Coordenador executivo da UNAFRO – Universidade Livre de Sociologia e Comunicação Afro-brasileira, membro do grupo de Estudos Latino Americano sobre Cultura e Comunicação (CELACC – USP), membro do grupo de estudos Griô da Universidade Federal da Bahia – (UFBA), Tata Kambandu Dimixi, da Comunidade Tradicional de Matriz Centro Africana Terreiro de Candomblé Inzo Tumbansi.

6 comentários em “A morte fisica e epistêmica de Mãe Bernadete!”

  1. Otair Fernandes de Oliveira

    Importante e necessária reflexão sobre o acontecido. Precisamos pensar no que fazer diante de tamanha tragédia do povo preto, quilombola e de terreiro. A resposta tem que ser de forma institucional, articulada e coletiva, com mobilização social.
    Axé Nguzo!

  2. FRANCISCO CESAR RODRIGUES

    Salve Kaçula, bom dia!
    Cara, importante esse seu texto-denuncia, não podemos nos calar diante de tão brutal e – infelizmente – crime corriqueiro que abate mais uma vida negra, seja em nome da intolerância religiosa, intolerância de gênero, intolerância de classe, por ser contra a população negra, todas levam ao mesmo caminho: O RACISMO. Mas eu fico me perguntando até onde vai o nosso repertório para relatar a indignação por esses crimes. Acredito que está difícil achar palavras para expressar nossa indignação. E pior, apesar do sentimento de tristeza, lamento, raiva e dor colocado em cada frase construída, apenas encontra no caminho, “ouvido de marcador”.

  3. Salve Tadeu Kaçula, bom dia!
    Cara, importante esse seu texto-denuncia, não podemos nos calar diante de tão brutal e – infelizmente – crime corriqueiro que abate mais uma vida negra, seja em nome da intolerância religiosa, intolerância de gênero, intolerância de classe, por ser contra a população negra, todas levam ao mesmo caminho: O RACISMO. Mas eu fico me perguntando até onde vai o nosso repertório para relatar a indignação por esses crimes. Acredito que está difícil achar palavras para expressar nossa indignação. E pior, apesar do sentimento de tristeza, lamento, raiva e dor colocado em cada frase construída, apenas encontra no caminho, “ouvido de marcador”.

  4. Ana Lucia A. De Mello

    É preciso que o Estado brasileiro se coloque na defesa dos legítimos direitos dos povos afrodescendentes. Chega de assassinatos. É muita covardia, muita tristeza e muita injustiça. Que os mandantes sejam responsabilizados.

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