*por T. Kaçula, articulista AfroBrasil
O encarceramento em massa ainda é um dos grandes dilemas acerca das políticas de segurança pública no Brasil. Desde a promulgação do decreto 847 de 1890 que versa sobre a lei da vadiagem até os dias de hoje, cerca de 67% são pessoas pretas e pardas. Enquanto a população não negra forma um percentual de 33,3% nos presídios, a população negra representa 66,7% (dados de 2019). Vê-se, portanto, que a população preta mais que dobra comparado a população não preta nas prisões brasileiras. E os dados contidos no Anuário demonstram que esses números só fazem crescer. Em 2005, pretos e pretas formavam 58,4% da população carcerária e agora esse percentual chega a quase sessenta e sete por cento (66,7). Por outro lado, no que se refere à população branca, os dados mostram justamente o contrário no mesmo período, caiu de 39,8% para 33,3%.
No Brasil, o direito de ter uma cela especial é algo que surgiu no Estado Novo, sob o comando de Getúlio Vargas. Está no decreto-lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941. A regra se baseia no entendimento de que determinadas classes merecem “maior consideração pública” para o sofrimento no cárcere devido a sua educação e contribuição para a sociedade e de que autoridades públicas ficariam expostas a graves riscos dentro das prisões.
Na última semana, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para declarar inconstitucional a prisão em cela especial para portadores de diploma de ensino superior. Os ministros analisam uma ação apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que entende que a norma é ilegal, pois cria um cenário de desigualdade. A prisão em cela especial vale apenas durante o processo, ou seja, quando ainda não ocorreu condenação definitiva, e prevê alocação em cela separada dos demais detentos.
Para os magistrados, a prisão especial para diplomados caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal, e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei.
Essa mudança na lei ocorre exatamente em um dos períodos mais propositivos para a inclusão de jovens negros no sistema de ensino superior das universidades públicas no Brasil.
Segundo a Agencia Brasil, a proporção de jovens de 18 a 24 anos pretos ou pardos no ensino superior passou de 50,5% em 2016 para 55,6% em 2018. Entre os brancos, a proporção é de 78,8%. Na mesma faixa etária, o número de pretos e pardos com menos de 11 anos de estudo e que não estavam frequentando a escola caiu de 30,8% em 2016 para 28,8% em 2018, enquanto o indicador para a população branca é de 17,4%. Ou seja, o aumento expressivo de jovens pretos e pardos nas universidades públicas aponta uma mudança estrutural no sistema de justiça no Brasil, já que esses jovens terão seus diplomas universitários e, portanto, teriam direto, em caso de necessidade, a um tratamento especial em caso de prisão.
O que analiso nesse processo não é o fato de o STF ter entendido e acatado o pedido da PGR, mas sim o fato de que esse processo afunilou ainda mais os privilégios brancos, uma vez que restringe para uma minoria ainda mais privilegiada o direito a prisão especial com diploma universitário. Não se trata mais de ser um diplomado, já que pretas e pretos também estão inseridos nesta categoria, se trata de restringir esse benefício para um grupo seleto protegido pela pacto narcísico e outorgado pelos votos das ministras Carmen Lúcia, Rosa Weber e pelos ministros Luiz Edson Fachin, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso que deram o benefício de prisão especial para ministros de Estado, governadores ou interventores, secretários, prefeitos, vereadores e chefes de polícia, membros do Congresso Nacional e das assembleias legislativas estaduais, cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”, oficiais das Forças Armadas e militares dos estados e do Distrito Federal, magistrados, ministros de confissão religiosa, ministros do Tribunal de Contas, cidadãos que já tiverem exercido a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função, delegados de polícia e os guardas-civis dos estados, ativos e inativos.
O sistema de garantia de privilégios sempre foi uma das ferramentas estratégicas da branquitude do poder político e econômico para manter a estrutura tal com foi concebida. Ao longo do processo de inviabilização sistêmica da população preta em espaços de poder em detrimento dos demais grupos sociais que compõem a nossa sociedade, ouvimos falar em democracia, justiça social e isonomia, mas o que vemos é mais um processo de exclusão racial e manutenção de privilégios de um grupo seleto da classe dominante!
Excelente artigo!
Parabéns ao sociólogo Tadeu Caçula pela abordagem sobre um assunto delicado, com um texto mais quw necessário.
O que o STF fez, foi “passar o pano” mantendo privilégios a si e seus apadrinhados. Uma vergonha pois grande parte desses privilegiados são os que poderiam tranquilamente sentir a dor de um encarcerado comum….
Bom dia com certeza meu amigo irmão, os privilégios aos poderosos sempre vão continuar, mais como vc pauto muito bem o nosso povo está conseguindo espaços em faculdades e desta forma conseguir a sua qualificação e seu tão sonhado diploma, mais com essa decisão o nosso povo que antes não tinha sua qualificação profissional e continuava sendo alvo nas prisões, vai continuar sendo alvo nesse sentido, em reunião na secretaria de administração penitenciária os números do nosso povo encarcerado é um absurdo entre homens e mulheres pretos e pardos, isso sem incluir a fundação casa que os jovens e adolescentes negros e pardos são maioria.
Exato! Esses privilégios datam de muito tempo e constituem uma válvula de escape para os não negros formados e muitas vezes sem escrúpulos que cometem crimes. Balão texto é reflexão é mais uma atitude pensada para manter privilégios.