*por Tadeu Kaçula
Quando analiso o histórico de lutas dos movimentos negro brasileiro, busco compreender quais foram as principais pautas que as lideranças e organizações sociais negras reivindicavam na perspectiva de lograr êxito no enfrentamento ao racismo e todas as formas de preconceito que emoldura estruturalmente o retrato social do nosso país.
Historicamente, os movimentos sociais negros travam uma batalha enorme nas pautas que objetivam ocupar espaços de poder político e econômico que, por ironia, sempre estiveram nas mãos da branquitude. Esta casta da sociedade desde sempre usurpou os bens materiais dos povos originários e cometeu diversas violações contra os povos das diásporas africanas desde a invasão deste país pela prerrogativa da manipulação e pela força, o que garantiu para as suas futuras gerações lugares de privilégios nas universidades, na política, na economia e em todos os principais lugares de poder que balizam as relações sociais do nosso país.
Não é de hoje que esses espaços de privilégios são construídos e estruturados como “capitanias hereditárias” pela branquitude do poder. O fato é que, para além desses espaços já dominados pela branquitude, essa legião de bem nascidos e bem alimentados criaram uma estratégia de dominação dos espaços cosmológicos criados pelos afro diaspóricos (descendentes dos povos africanos) com a narrativa de estarmos em plena harmonia (juntos e misturados) e em pleno exercício da “democracia racial”. Eles passam a ocupar esses espaços, desarticulam as nossas narrativas e fundamentos pretos que, para a população preta, é um dos pouquíssimos e valiosos espaços de referência e preservação da sua tradição e quando percebemos já estamos fora da gestão dos nossos próprios nichos de sociabilidades.
Não há nenhum pudor ou constrangimento por parte dessa casta em apropriar se política e culturalmente desses espaços, pois não há um sentimento de empatia com a preservação das epistemologias contidas nesses espaços de referência africana e, portanto, não há empatia com o sagrado que está
assentado nesses terreiros imateriais.
A estratégia de dividir para dominar é antiga, mas a branquitude do poder sempre usa esse recurso para ser aceito entre a comunidade preta pra depois espalhar os tentáculos da manipulação sobre as mentes e os corpos pretos que, em sua maioria, acabam cedendo ao poder do capital e abre espaço para que a branquitude se instale nos seus terreiros imateriais e corrompendo os laços da tradição e do protagonismo negro à frente das organizações socioculturais de origem preta.
Para entendermos esse processo com mais “clareza”, visitei um documento histórico chamado “A carta de Willie Lynch”. Willie Lynch foi um proprietário de escravos no Caribe (Caraíbas) conhecido por manter os seus escravos disciplinados e submissos. Acredita-se que o termo “linchar”, se deriva do nome dele. Enquanto que a maioria dos europeus se confrontava com problemas como fugas e revoltas de escravos, Willie Lynch mantinha um controle e ordem absoluta sobre os seus serventes negros. Esse poder despertou o interesse dos fazendeiros da América do Norte. Em meados de 1712, Willy Lynch faz a longa viagem do Caribe para a América do Norte. Após a sua chegada ao estado da Virgínia, e após constatar os problemas que os seus colegas enfrentavam com os escravos sequestrados da África, Willy Lynch decide escrever uma carta onde ele revelaria seu segredo para manter os seus escravos na linha.
Então ele escreveu: “verifiquei que entre os escravos existem uma série de diferenças. Eu tiro partido destas diferenças, aumentando-as. Eu uso o medo, a desconfiança e a inveja para mantê-los debaixo do meu controle. Eu vos asseguro que a desconfiança é mais forte que a confiança e a inveja mais forte que a concórdia, respeito ou admiração.
Deveis usar os escravos mais velhos contra os escravos mais jovens e os mais jovens contra os mais velhos. Deveis usar os escravos mais escuros contra os mais claros e os mais claros contra os mais escuros. Deveis usar as fêmeas contra os machos e os machos contra as fêmeas. Deveis usar os vossos capatazes para semear a desunião entre os negros, mas é necessário que eles confiem e dependam apenas de nós.
Meus senhores, estas ferramentas são a vossa chave para o domínio, usemnas. Nunca percam uma oportunidade. Se fizerdes intensamente uso delas por
um ano o escravo permanecerá completamente dominado. O escravo depois de doutrinado desta maneira permanecerá nesta mentalidade passando-a de
geração em geração”.
Ou seja, a branquitude sempre teve um projeto de dominação e poder sobre a população preta. Essa dominação ultrapassou os lugares que já eram de dominação da branquitude e passou a ocupar os espaços cosmológicos da população preta.
O mais intrigante é notar que a branquitude usa essa ferramenta até hoje para desarticular e, em certa medida, desconstruir e ou deslegitimar as narrativas legitimas das lideranças dos movimentos sociais negro. Infelizmente alguns dos nossos ainda são fisgados pelos tentáculos ardilosos da manipulação da branquitude do poder. É preciso estarmos atentos e atentas a esse jogo! Jogar uns contra os outros e figurar de mediador de conflitos entre a própria população negra é parte estratégica da branquitude do poder político e econômico para se manter nos espaços de privilégios enquanto manipulam e desarticulam as ações de reintegração de posse dos espaços cosmológicos de sociabilidade e resistência negra que, há muito tempo, deixou de estar nas mãos de quem os concebeu.
Muito legal, bem colocado, precisamos conhecer a história, ler mais e nos conscientizar que a branquitude usurpa o que é nosso a muito tempo, o que precisamos é criar nosso nicho e não deixar que roubem ou desmanche.
Valeu a informação, me fez rever as leis e alguns desses autores, gostei mesmo.
Perfeito !
Eles trabalham isso até hoje, as favelas e bairros onde os esgotos correm a céu aberto; violência policial; as piores escolas, tudo para manter o povo sob controle