Roda de Angola: Uma canção do espírito

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*por Kimonile Baobá – parte 1

“O tempo da roda é um tempo sagrado e não o tempo cronológico, da produção, ditado pela sociedade ocidental.” (COLUMÁ e CHAVES, 2013).
É necessário um esforço intelectual para situarmos a metafísica dominante das expressões da roda de capoeira. O falado, o dito, cumpre um papel comunicativo importante. Na roda de capoeira, o momento em que se expressam palavras em uma sequência lógica de frases para compreensão coletiva é quando todos os capoeiristas presentes ouvem a Ladainha. Com dois capoeiras agachados e todos os outros também prestando suas atenções ao que está sendo contado, inicia-se a roda (LOBO, 2018).
O dito na ladainha cumpre uma função litúrgica de inicialização da roda. Contam-se estórias alertando sobre o que se quer dizer em uma espécie de oração. Neste momento remetente e receptor são claramente definidos nas mensagens. Quem canta, geralmente portando o berimbau Gunga, conta uma estória, conto ou mensagem sobre determinados causos.
Política, a sociedade, o mundo, os animais, a natureza entre outras ordens da vida estabelecem o ritual que constitui o que Milani (2019) chama de “O corpo da capoeira”. O mito segue o rito para sua manifestação, introduzindo e criando o ambiente onde os dois capoeiras agachados começam/continuam este profundo diálogo entre eles, os músicos, a roda, as cantigas e o todo.
“A capoeira é uma forma de entrar em comunhão com Deus. Quando a gente está lutando é como se não houvesse mais nada ao nosso redor, apenas o universo. Há uma interação muito grande entre nós e a consciência cósmica” (Mestre Touro, 1989).
Este pensamento é rebuscado na leitura da escritora dagara Sobonfu Somé em seu livro O Espírito da Intimidade. Neste título a autora nos apresenta que as relações humanas, a humanidade e seu propósito de vida, se baseiam na intimidade e no espírito que a rege (SOMÉ, 2013).
Assim, podemos concluir por hora que os movimentos que aparelham os usos da capoeira o fazem limitando seu potencial filosófico e orientador da práxis humana. Aqueles e aquelas, bem-intencionados ou não, que se sujeitam ao infortúnio de regular, modular ou postular os fazeres e saberes da capoeira, limitam também seu espírito invisibilizando assim todo o rico caráter que reside em sua episteme, sua originalidade. Longe de trazer um debate purista, o que precisamos frente às demandas de um mundo cada vez mais tecnicista, é reconhecer as singularidades tão ricas e pretensas de uma cura ancestral a todo um povo que necessita desta mensagem.

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